quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

MOLECAGENS LITERÁRIAS REMUNERADAS

Quando era mais jovem, e inconsequentemente mais topetudo, fui sozinho de trem p/ São paulo, quase sem dinheiro, com alguns manuscritos na bagagem, para tentar ser escritor.
Morando num miserável pulgueiro na R. dos Andradas, c/ Gal. Osório, deslumbrado pela cidade, ia todas as manhãs para a praça Princesa Isabel terminar meus escritos que achava o máximo.
Sob aquela inspiradora estátua militar de Brecheret, vez por outra, haviam lá uns andinos, e brasileiros pernas de pau jogando bola, desocupados, crianças, indigentes, e eu, com meus cadernos, em iminente indigência, mas me sentindo relevante cidadão preocupado com os rumos que tomavam o mundo naquele inesquecível ano de 1989: havia caído a desgraçada ditadura em meu país, votara em Lula, mas collor, o bonequinho bonitinho, se elegera, e lá pela Rússia, um carismático senhor Gorbachev promovia suas mudanças.
Me senti mais importante aínda, quando um dia passando pela r. Barão de Itapetininga, jovens desesperados por mudanças, me puxaram para assinar em favor da libertação da Lituânia. assinei. confesso na época, não saber ao certo onde se localizava. sabia ser lá para os lados da rússia, onde exalava mudanças, de Perestroika, Glasnost, lugares onde viveram alguns de meus heróis juvenís: Trotski, Gogol, Dostoiévsky... mas o certo era que havia contribuído por aquele país, e então pensava: - é mesmo em São Paulo onde as coisas acontecem. o que seria dos lituanos se eu não estivesse aqui? está lá, naquele manifesto, minha importante assinatura para que tudo se resolva! que sejam livres os lituanos!(nem imaginava que logo iria cair tbém aquele p/ mim, intrigante muro de Berlim das histórias miseráveis de segregação, de fugas frustradas, loucas fugas em balões, anseios humanos por liberdade.)
Dias depois, na r. 24 de março, ingressaram-me na militância política esquerdista. por uns dias frequentei reuniões noturnas do partido verde,juntamente c/ o partido humanista. minha função não era lá tão verde: sujar paisagens do vale do anhangabaú com panfletagem noturna.
Estando já crítica minha situação pecuniária, precisava vender meus escritos, e somente na capital, iria encontrar quem pagasse por eles...
Meus escritos eram meu sangue: havia parado com experiências com cigarro, bebida e até maconha, estabelecido para mim por um ano, uma espécie de prisão semi-aberta, onde somente saia para a biblioteca municipal pegar clássicos. nesse meu presidiozinho, produzi um lixo literário sem fim. e era esse meu amado lixo que agora estava na capital, batendo de porta em porta, recebendo aqueles "nãos", elegantemente disfarçados: - está bem! prometo que vou analizá-los.
Já dormindo na rua, comendo migalhas e bebendo muita água para não desidratar, novamente pela Barão de itapetininga, minha rua preferida, gratuitamente me entregam um jornaleco sensacionalista com a Manchete:"Paulo de Tarso morreu de Aids" (sim! o corajoso redator, queria nos convencer que o apóstolo mais querido dos cristãos, por suspeitas de homossexualidade, havia morrido de aids já naquela época.)
Polêmicas palotinescas à parte, o que interessava é que havia entre as matérias do jornal, mensagens dizendo:"esse jornal,não aceita propaganda de cigarros", e como havia parado de fumar,redigira então, um virulento artigo contra os fumantes, o qual se me lembro, terminava por dizer(de acordo c/ pesquisas japonesas) que o fumante, além de um gradativo suicída, também poderia ser um potencial assassino involuntário, ou coisa assim.
Rumei para a redação do jornaleco, no grande edifício Prestes maia, defronte o viaduto Sta Ifigênia. lá, numa das salas comerciais, um senhor que insistentemente vestia-se de branco, deu-me um livro sobre o poder da cura pela água, pegou meus escritos, dizendo-me p/ voltar no dia seguinte pela manhã.
A importância do incentivo para um jovem, talvez valha por toda uma vida: o homem deu-me um cheque pelos escritos, aconselhou-me arrumar emprego, e continuar escrevendo.
Quando saí de lá apressado para as agencias bancárias da Av. Ipiranga com um cheque do então Banco Brasileiro, não estava mesmo acreditando naquele valor pecuniário ali rabiscado. somente quando o caixa repassou-me o dinheiro, é que me veio aquela sensação de vitória. faminto, fui comer, depois, fuçar em velhos livros nos sebos do centro velho, Messias e outros, e enquanto separava alguns títulos clássicos, pensava orgulhosamente: - eu também era comprovadamente um escritor. alguém havia reconhecido meu talento, e dera boa soma por eles... eh! coisa tão fácil essa de ser escritor!
Mas desconfiei que havia algo de pai nas palavras daquele homem, quando me aconselhou procurar um trabalho rapidamente, assim, com o dinheiro aluguei um mês de pensão, e seguindo seu conselho, logo consegui emprego numa banca de jornal, qual também vendia discos usados na movimentada esquina da av. Rio Branco c/ Ipiranga.
Nas horas vagas, munido de um livro, pegava o metrô na estação São Bento, ou Luz, sentava-me nos últimos lugares, lia fazia anotações... minhas anotações em papéizinhos que nunca mais parei.
Quando saiu um artigo meu no jornaleco, comprei vários exemplares... (essa minha aventura, continua não se sabe quando)